Não há espaço
Sem vagas para descansar
Cemitério da Boa Vista, único da cidade na zona urbana a realizar sepultamentos gratuitos de cidadãos de baixa renda, está esgotado
Paulo Rossi -
Passava das 15h desta segunda-feira (10) quando um grupo de pessoas deixava o Cemitério da Boa Vista, na Sanga Funda, Zona Norte de Pelotas.
Acabavam de se despedir do familiar sepultado em uma das vagas disponibilizadas pela prefeitura a enterros assistenciais. Além da tristeza evidente, o luto trazia também um sentimento de alívio. Afinal, a lápide de concreto com a inscrição BV4-013 identificava uma certa sorte. Motivo: a partir de agora, conseguir um espaço no cemitério será "privilégio" de poucas pessoas de baixa renda no município. Restam apenas duas gavetas vazias.
Normalmente, o número de locais para sepultamentos gratuitos no único cemitério público de Pelotas já é pequeno para uma cidade em que 41,4 mil famílias não possuem renda ou vivem com até dois salários mínimos por mês, de acordo com dados do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A quantidade reduzida de túmulos ainda se tornou mais preocupante após uma denúncia do Ministério Público (MP) de danos ao lençol freático no local. Com isso, o cemitério chegou a ficar interditado por duas semanas no começo do ano e, a partir de uma ação ajuizada em maio, enterros no chão ficaram proibidos. Restavam apenas 135 gavetas construídas pela prefeitura. Mas, agora, nem isso.
De acordo com um dos coveiros, a lotação total é uma questão de horas. Com uma média de 40 enterros assistenciais por mês, até o fim da semana provavelmente não haverá mais lugares na estrutura destinada aos sepultamentos gratuitos. "Não sabemos ainda o que vamos fazer aqui. Domingo chegaram quatro pessoas. Hoje mais uma. Só sei dizer que está difícil até para o pobre morrer", comenta o funcionário.
Em contraste com o pequeno conjunto de gavetas para a população pobre, todas sem pintura e identificadas apenas por números e letras, ficam ao lado centenas de vagas desocupadas. Todas elas, é claro, com pintura em dia. Para ter acesso a elas, no entanto, é preciso ter dinheiro. O Cemitério São Lucas, particular, que funciona no mesmo terreno do Boa Vista, cobra pelo menos R$ 3,6 mil por sepultura. Valor inalcançável para as milhares de pessoas que dependem do auxílio do município para que tenham acesso a um caixão, capela e sepultura por até três anos. Depois desse período, todos os corpos alojados assistencialmente são exumados das gavetas e tornam-se responsabilidade dos familiares.
Solução temporária
A prefeitura tenta encontrar saídas para as dificuldades encontradas no Cemitério da Boa Vista. Os principais desafios vão desde a falta de vagas até a regularização do alvará de localização e a obtenção de licença ambiental, cobradas pelo MP desde janeiro. De acordo com o assessor especial de programas da prefeitura, Fábio Machado, o problema da falta de vagas poderá ser contornado de duas formas: com o São Lucas atendendo a demanda (sem pagamento da prefeitura, afirma o assessor) ou usando espaços em cemitérios da prefeitura na zona rural.
A saída seria temporária, explica Machado. Encarregado do processo de construção do edital para a contratação da empresa que fará o levantamento dos problemas ambientais no Cemitério da Boa Vista e de falar sobre os problemas do local, ele afirma que a prefeitura já concluiu o termo de referência que irá embasar o certame. A contratada deverá receber cerca de R$ 250 mil do município para realizar análise detalhada do terreno, incluindo exames de solo e lençol freático, com orientações do que é preciso fazer para reparar os danos ao meio ambiente. Ainda não há prazo para o lançamento do edital.
"Depois desse estudo a prefeitura irá lançar outro edital para a escolha da nova administradora do cemitério. Será da gestora a responsabilidade de seguir as orientações para licenciamento ambiental e também realizar melhorias na estrutura", explica o secretário de Gestão da Cidade e Mobilidade Urbana (SGCMU), Jacques Reydams. Contudo, também não há prazo definido para que as melhorias comecem a ser feitas e novos locais para sepultamentos sejam construídos. Até lá, qualquer ação será um paliativo. E mais uma razão para quem perde um parente se preocupar.
A licença ambiental
Interditado no dia 24 de janeiro pela falta de alvará de localização e por conta dos danos ao meio ambiente causados ao solo e ao lençol freático pelos enterros no chão, os cemitérios São Lucas e Boa Vista reabriram na segunda semana de fevereiro após iniciarem o processo de licenciamento. No entanto, o secretário de Qualidade Ambiental, Felipe Perez, informou à reportagem que o processo para liberação definitiva ainda está incompleto. "Alguns documentos ainda não chegaram à SQA para a avaliação da licença ambiental", resumiu.
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